Este vinho que enche nossos
corações nesta noite é nada mais nada menos que uma joia. O solo em que suas
uvas nasceram foi cuidadosamente trabalhado, seus cachos foram podados de forma
que só as melhores uvas compusessem esse vinho, o clima, este é um senhor
severo que pune com rigidez as más uvas e recompensa com fartura às boas. O
gosto levemente amargo que sentem agora são polifenois, substâncias que
protegem a uva das intemperes do clima, são eles que dão corpo e densidade ao
vinho, graças a eles o vinho ganha status de joia.
Se alguém inadvertidamente, mesmo
com a melhor das intenções resolvesse ajudar essas uvas, abrandar o clima,
molhar mais a terra, sem saber esse indivíduo abateria uma raridade em seu
nascedouro, sim este vinho é uma singularidade, seus irmãos de safra estão em
outras mesas em outras adegas, mas este esta aqui, nos proporcionando este
encontro de alegria e confraternização.
A Shy é como este vinho, uma
singularidade na terra, moldada pelas agruras da vida que a fizeram ser o que
é. Os abraços dados e outros negados, as rosas e os espinhos contribuíram para
forjar a joia que é essa mulher. Acaso
eu na minha pequenez mudaria algo nela, correndo o risco de estragar essa
maravilha de Deus? Seria eu um vândalo de obras primas do Senhor? --Não, sou um
espectador da lua que a olha distante, admira até conversa às vezes mesmo que
do alto de seu brilho de uma joia ela não escute.
Esta é a sina e o dom de um
poeta, olhar sem tocar, descrever sem, no entanto mexer. Somos leitores da arte
já pronta, enxergamos aquilo que Deus colocou e ninguém viu, apertamos os olhos
e inclinamos a cabeça para por horas deleitarmos em um só de seus detalhes.
É triste a vida assim, sem poder
tocar aquilo que outros tocam sem, no entanto terem ideia da joia que tocam? --
Não diria assim, diria que é angustiante e por vezes solitário, mas triste não,
afinal quem aprendeu a apreciar as obras de Deus em seus detalhes, experimenta
uma explosão de cheiros e sabores ao degustar este vinho e os vinhos, a esses
eu provo, mas sei que os melhores levam tempo, são maduros e raros. Sendo assim
os vinhos me ensinaram a ter paciência, resistência e até uma sabedoria amarga,
mas que dar corpo e consciência a alma e almas assim dão vinhos excelentes.